Sonhei com a Constituição

Cláudia Pires de Castro

O que é uma Constituição para uma pessoa de outra área – que não seja o Direito? O que deveria constar numa Constituição – ou o que gostaríamos que ela proclamasse?

E quando se trata do apelo ou pedido do povo, o que ela deveria nos falar?Quando somos pobres ou fracos(as), fortes ou donos(as) do poder, ela continua sendo a mesma?

Ainda é possível sonhar com a nossa Constituição?

É fato que quem não sonha não vai a lugar algum. Em todo caso, nem sempre os sonhos são boas companhias – como é o caso de quem acorda de um pesadelo, ou bem no meio de um: nós vivemos hoje o pesadelo da pandemia.

No Brasil, o pesadelo é duplo (a pandemia e o pandemônio); ou, muito além disso, apenas retrata o múltiplo de si, de sempre, de nós todos(as), do povo e da falta de direitos e de respeito. Falo da falta absoluta de respeito, do reflexo da própria deseducação das elites e dos comandos que se revezam para descumprir direitos básicos.

Por isso (e por muito mais), devemos falar da Constituição como algo que devemos “constituir”. Toda Constituição tem um dever máximo contido em si: constituir relações e estruturas de organização da vida.

A nossa Constituição nos brindou com o dever de “constituirmos” uma sociedade livre, justa e igualitária. Deu-nos pistas de como sonharmos com formas e formações sociais não-rançosas, não-machistas, não-sexistas, não-racistas, não-homofóbicas.

A nossa Constituição nos comunicou a necessidade de agirmos sempre, e com urgência, para transformar esse sonho em realidade. Esta também é a força comunicativa da nossa Constituição.

O que pecamos em realizar, como povo, foi exatamente em fazer uma comunicação ampliada dos nossos direitos. Como povo, não comunicamos a nós mesmos(as) o que somos e o que queremos.

Como fonte e forma de comunicação, a Constituição não chegou aos ouvidos do povo, de tal forma que ele, o povo, pudesse rever as bases de sua formação e, assim, se reconstituir.

Esse curso teve momentos ótimos de comunicação ampliada, que desfez inúmeros “pré-conceitos”. Mas somos milhões de brasileiros. É preciso muito mais, pois precisamos que tudo o que aqui foi comunicado, para nós e para as outras pessoas, continue a ser uma caixa de ressonância. É preciso que cada um(a) de nós continue a falar o que a Constituição Federal de 1988 desejou constituir. É preciso, pois, de forma sincera, em voz alta e de forma clara, que continuemos nossa comunicação com muitos outros, a todas as outras, e que continuemos a comunicar o que nossa Constituição nos obrigou a constituir para todos(as) nós.

Nada é perfeito, ninguém é perfeito. A Constituição não é perfeita. Nem os sonhos são perfeitos – por vezes, eles acabam em pesadelo.

Porém, depende de nós, de nossas ações, transformar os ruídos em comunicação objetiva, aberta, inclusiva – na esperança de que esse comunicado de direitos nos leve a crer com muito mais vontade na constituição de um país melhor.

Depende de nós a elevação do tom da voz, para que o país colha os resultados daqueles que sonharam e lutaram por um Brasil menos imperfeito.

Lembro aqui de Osório Alves de Castro, meu avô, o responsável, o pai de muitos dos meus sonhos – especialmente o sonho de retornar a um país livre de seus pesadelos.

Osório foi o “avô-alfaiate”, escritor e costureiro de muitas vidas e histórias. Viu as Vidas Secas (assim como Graciliano Ramos) e as formas múltiplas, incisivas, verdadeiras de se constituir a resistência a tudo que nos nega. Até o final de sua vida.

E por isso estamos aqui, por isso estivemos aqui durante mais de 30 encontros, exatamente para costurarmos, como meu avô, novas relações entre nós, verdadeiramente humanas. E para comunicarmos que não aceitamos menos do que isso.

Obrigada!

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