Vamos abrir a Constituição

Vinício Carrilho Martinez

Nesse dia de encerramento, convido a todas e todos a abrirem a CF88.

Hoje, teremos apenas um encerramento formal de nossas atividades técnicas. Contudo, na
nossa vida não encerraremos nada. O curso foi e sempre será uma porta (entre)aberta para
infindáveis projeções éticas.

O curso da CF88 está na nossa mente e em nosso canal no Youtube. Ele está gravado eticamente na vida de todos(as) nós.

Por isso, convidamos a reabrirmos a CF88. Porque o verbo “encerrar” conclui com um “fechar”, seguindo este tipo de derivação daquilo que vem emprestado do espanhol: “cerrar la puerta”.

Mas toda porta é feita para se abrir e fechar. Hoje, nós fechamos uma meta, um trabalho, mas nós abrimos novos sonhos, em nossas projeções.

Além do mais, é óbvio que ninguém “encerrará” a CF88, porque ela está na história da Humanidade. É, até o momento em que escrevo, a melhor e mais profícua Carta Política já escrita, servindo de escada ou degrau ético para todas as outras que vieram depois.

A CF88 promulga nossa vitória – que não se confunde com as derrotas que a ela sucederam.

Isto é, ela é uma porta que estará sempre aberta – é a Constituição Cidadã, é a Constituição do Povo e a que mais se aproximou de tê-lo, o povo, como seu intérprete.

Nossa primeira missão no Curso da CF88 foi, precipuamente, demonstrar na prática que o povo pode e deve ser o legítimo intérprete de sua Constituição.

Viemos a êxito porque, não bastasse o conhecimento político-jurídico, efetivamente cumprimos com os desígnios de um real Princípio Pedagógico: lê-la e tê-la, a Constituição Federal de 1988, para si, a fim de nos modificarmos, mas também para nos auxiliar na mudança do(a) Outro(a).

Nosso curso demonstrou, com eficácia, a ação desse Princípio Pedagógico, capaz de tornar o povo um intérprete racional e ético de sua Constituição.

Antes de irmos além, depois de seis meses, é indispensável agradecer e homenagear a todas e todos que estiveram conosco.

Quero agradecer em especial ao nosso grupo, à rede de defensores(as) da CF88 que conseguimos constituir nesse tempo de curso. Quero agradecer a todas e todos que destinaram seu tempo, sua energia vital, seu conhecimento e suas esperanças. Faço isso em nome de todas as pessoas que nos acompanharam pelas redes sociais.

Quero agradecer também pelos seis meses de intensa convivência, de amizade e responsabilidade – com a vontade que só as pessoas jovens têm. Quero agradecer às amigas e aos amigos que fizemos nesse tempo. Passamos juntos(as) por tudo, pela certeza de nossas ideias, pelas dúvidas e pelos receios quanto ao dia a dia de execução do projeto.

Quero agradecer porque nunca desistiram desse ideal, da nossa Utopia compartilhada e distribuída em missões e ações isoladas ou coletivas. Quero agradecer porque posso dizer que foi a missão mais importante da minha vida. E, como vocês, posso dizer que me tornei uma pessoa modificada, exatamente porque vivemos tudo isso juntos(as). Às vezes com estresse, medos; mas, na maioria das vezes, com esperança e determinação.

Quero agradecer porque, poucas vezes na minha vida, pude relacionar tão profundamente razão e emoção. Com a certeza da missão cumprida, posso dizer com muita segurança que compartilhamos essa sensação.

Cumprimos nossa meta – ler, entender e debater a Constituição, integralmente –, mas fomos além: criamos e demos formas a muitos outros projetos, concomitantemente. Além disso, cuidamos de pessoas – alimentamos suas motivações mais sinceras e humanas – e projetamos novos passos, para 2021 e 2022.

Fizemos algo bom, justo, ético – com a melhor estética da natureza humana, de quem vive para a satisfação da civilidade. Posso dizer que, nesses seis meses, nós vivemos a civilidade entre nós. Todos(as) nós, o nosso grupo, nossos(as) convidados(as) e nossos(as) acompanhantes nesses 30 encontros.

Os erros e imperfeições podem ser creditados a mim, como coordenador do projeto. No entanto, na defesa de nossa rede em prol da CF88, digo com muita tranquilidade: empreendemos o melhor de cada um, de cada uma, de nós todos(as).

Seguimos à risca o preceito socialista de Marx da realização do ser humano: “a cada um, de acordo com sua necessidade; de cada um, de acordo com sua capacidade”.

Hoje, enfim, posso dizer que saio dessa jornada muito melhor do que entrei. Também posso dizer que nossa CF88 sai mais fortalecida, pois provamos que, mesmo para desferir ataques, é preciso conhecê-la.

Provamos que a CF88 tem como legado, precisamente, a conquista histórica e agregada dos direitos fundamentais e nos reservou o instrumental necessário à defesa da democracia.

Provamos que a CF88 – em sua imperfeição, como ato de criação humana da década de 1980 – é mais forte do que a crítica leviana ou confusa de quem insiste em não separar a própria Constituição da realidade política que a cerca e que fez o nosso cerco.

Provamos que a maior estultice que se pode cometer, a pior violação que se pratica contra nós todos (e todas), é “jogar o bebê com a água suja do banho”.

Provamos que idealistas e negacionistas se encontram no caminho de ida a um lugar incerto e não sabido, porque, em comum, têm o fato de não participarem da história e de nem entenderem o que é história.

Nós nos certificamos de demonstrar a viabilidade ética da CF88, e isso corresponde ao eixo monumental da nossa Carta Política de 1988. Nós fizemos um pouco de história e de Ciência da CF88.

Provamos que, para nós, não existe Desinteligência Constitucional; existe, sim, distopia cognitiva ou dislexia constitucional – notadamente – de quem não se dá ao trabalho de desbaratar as confusões de sua própria cabeça.

Também provamos o óbvio: não se faz ciência com “pré-conceitos”, com impressões e ideologias rasas de quem destrói os acertos em nome dos erros (e que talvez sejam os seus próprios erros ou falências ressoando por aí…o que não nos contamina, obviamente).

Posso dizer, para encerrar, que me provei junto a vocês. Nós nos colocamos à prova – e vencemos. Vencemos com inteligência, vontade de fazer o bem – aquele Bem Republicano – e, por isso, nossa vitória é e sempre será um desafio: fazer ainda melhor o que viemos fazendo.

Posso dizer, com absoluta certeza: só quem faz sabe como é difícil fazer. Foi assim, em 1986-1988, com os constituintes, foi assim em 2021, nessa releitura integral da CF88.

Assim, me despeço, por agora – para que possamos estar juntos(as) em breve, em outra Utopia construída coletivamente e efetuada com civilidade e ética. Afinal, são essas as premissas lógicas da vida social.

Porém, antes de darmos prosseguimento, peço um minuto de silêncio pelas centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas se houvesse inteligência social e não se programasse a política como ação do Necrofascismo: o negacionismo, a desinteligência social, a mitigação da vida, ou seja, esse verdadeiro Democídio praticado diuturnamente.

São Carlos-SP, 22.06.2021.

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