QUAL A CIÊNCIA QUE ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO DE 1988?

Vinícius Alves Scherch
(Doutorando em CTS na UFSCAR)

Quando nos deparamos com o tema Ciência e Constituição, é preciso entender que não são objetos distantes, mas, ao contrário, dentro da Carta Política está previsto o fazer científico. E, para entender o que é a Constituição, é necessário falar de Ciência. Neste aspecto, quando tem-se “a Ciência na Constituição de 1988” é possível tomar o tema por diversos aspectos, assim como a refração da luz, que pode tomar diversas direções. Por exemplo, o art. 218 da CF88 trata da Ciência, mas lhe replica de maneira caleidoscópica por diversas nuances do texto constitucional.

Por isso, fica a pergunta (retórica): Qual a Ciência que está na Constituição Federal de 1988?

A resposta (óbvia) é bastante fácil de se obter, pois a Constituição em si nos aponta sua ideologia, que é social. Isso desde a formação dos fundamentos da República com base na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana e no pluralismo político (art. 1º, CF88), ao estabelecimento dos objetivos fundamentais que norteiam a atuação estatal, que visam a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, CF88).

Conquanto alguns autores, como Araújo e Nunes Junior afirmem que a Constituição de 1988 seja eclética quanto à ideologia (2016, p. 39), é preciso entender que o intuito foi meramente classificatório e não passa pelos vetores axiológico e conteudístico da Constituição. Cabe explicar, por exemplo, que não é porque está no texto que a ordem econômica é fundada no valor social do trabalho e na livre iniciativa (art. 170), que há uma concorrência entre um e outro. Pois, ao contrário, se harmonizam na função social de promover o pleno emprego e a busca pela livre capacitação para o exercício profissional.

Por função social, entende-se que os objetos, direitos e institutos jurídicos possuem, pelo menos, duas finalidades: (i) aquela que lhes é natural, para o qual existem; e (ii) aquela para a qual contribuem na sociedade; formando, assim, a sua ratio essendi. Exemplo disso é a propriedade, que existe com o fim individual de ser parte do patrimônio de alguém, mas precisa ser utilizada efetivamente na sociedade, sob pena de sofrer sanções jurídicas como IPTU progressivo e desapropriação.

A partir disso, tem-se que a Ciência na Constituição Federal de 1988 é uma Ciência com função social, e por isso é construída e promovida a partir da ideia de coletividade, se voltando para sociedade. Tanto é real, que as pesquisas básicas e tecnológicas buscam o bem público e o progresso da Ciência, tecnologia e inovação, inquinando-se para a solução dos problemas brasileiros e para o sistema produtivo nacional e regional (art. 218, §§1º e 2º, CF 88). O que mostra a função social da Ciência é a sua aptidão de se dedicar para a solução dos problemas da comunidade e da sociedade, bem como para prover e otimizar a produção em sentido amplo. E ainda, a Ciência é institucional ao ser uma obrigação do Estado a promoção e o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação:

É incumbência do Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica. A Constituição distingue a pesquisa em pesquisa científica básica, que receberá o tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, e pesquisa tecnológica, que deverá voltar-se preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional; para tanto o Estado apoiará e estimulará a formação de recursos humanos nessas áreas do saber. (SILVA, 2005, p. 844)

Conquanto se possa inferir que a Constituição de 1988 trata de uma ciência básica e de uma ciência tecnológica, não se pode dizer que há bifurcação ou ruptura entre uma e outra. As ciências dialogam e se completam, dessa maneira, o progresso científico conduz a avanços tecnológicos, que, por sua vez, conduzem ao progresso científico. O papel do Estado é assegurar esta espiral de desenvolvimento da pesquisa, que permanece como uma das tantas funções sociais da própria Educação, fixada em ensino, pesquisa e extensão.

Por fim, a leitura da Ciência na Constituição de 1988 se mostra com cunho social e objeto de uma norma constitucional de caráter positivo, impondo ao Estado o dever de promover e incentivar o fazer científico, com vistas a torna-lo apto para a solução dos problemas brasileiros com autonomia, autenticidade e capacidades técnicas que passam pela via da Universidade Pública, daí decorre a importância do investimento financeiro no ensino nacional e na capacitação humana que é capaz de gerir a demanda de recursos para a Ciência.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Editora Verbatim, 2016.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

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