MAIS VALIA ONÍRICA

Vinício Carrilho Martinez
Professor Associado III da UFSCar
Marcos Del Roio
Professor titular de Ciências Políticas – UNESP

Literalmente, vivemos “tempos sombrios e estranhos”, em que os sonhos de consumo ocupam o lugar de “sonhos de aventura ou de amor”, como poderia estar na letra de qualquer canção.

Antigamente – ou desde sempre – o capitalismo capturava de inúmeras formas a subjetividade dos trabalhadores e produtores. A ação gratuita dos produtores sempre gerou a fortuna fortuita dos seus exploradores: isso é imemoriável na história do capital de origem cumulativa.

Quem não se lembra das famosas “caixinhas de sugestões” em que os funcionários depositavam espontaneamente, alegremente, sugestões de melhoria dos meios e das formas de produção, instigando-se a novos patamares de rentabilidade na exploração do trabalho e, assim, obtendo-se maiores lucros para as empresas?

Capturar a subjetividade, a esperança, os sonhos, as utopias, os desejos reais – o próprio trabalho vivo, além do trabalho morto que já é resultado da ação humana: trabalho de transformação – sempre foi atividade regular do sistema capitalista.

Sob o capitalismo rentista ou financeiro esse ritmo tem se avolumado, pois o capital assinala com a extrema miséria e a pauperização para a imensa maioria. Porém, desde o século passado as hostes de poder já sinalizavam com o enriquecimento sem trabalho, ou seja, por meio de renda variável, especialmente aplicações em ações e fundos
rentáveis em proventos.

Aliando-se a isso, no bojo do século XXI, já estava programada a Inteligência Artificial com evidente formato racista, machista, elitista. Os meios de prova são abundantes, pois, a “programação” segue a “subjetividade” dos criadores – e a criatura piorada faz a ficção ser uma quimera da realidade embrutecida.

Agora, com técnicas que se assemelham à era da propaganda nazista – expandir em escala gigantesca, massiva, os ideais de morte – e, depois, sob o avanço da chamada humana é descartada face aos ganhos imediatos.

Sim, Fake News porque agora, literalmente, é possível plantar desejos em sonhos, por meio de técnicas indutivas de desejos corporativos por mais consumo; plantar desejos sempre foi a prática da propaganda e da publicidade. No entanto, inocular oniricamente desejos estranhos ao ser social é o ápice da dessocialização. Neste sentido, portanto, não foge às práticas mentirosas e distorcidas com que se “plantam” notícias falsas.

É o apogeu de quem vive para quebrar qualquer padrão ético da sociabilidade. Afinal, do mesmo modo que se “promete” inocular desejos de consumo de cervejas, podese facilmente injetar docilidade diante de ideais fascistas e ainda mais desumanos. No fundo, tais práticas comerciais, em si, são fascistas e remetem ao projeto político fascista.

O eixo central de todo projeto político fascista é a despersonalização, a descrença na capacidade individual (crítica + autonomia), a domesticação, a pasteurização social – como massificação extrema –, docilidade e submissão a um projeto direcionado ou próprio ao “pensamento único”.

Outrora, “plantar sonhos” era a essência de vida de poetas e sonhadores, filósofos (éticos) e governantes republicanos – até mesmo o velho “capitão da indústria” que não fosse fáustico tinha ambiciosos projetos para sua comunidade –, mas, sob a base técnica pós-moderna e financista, o onírico virou profunda deformação social.

As pessoas, a se seguir com essas técnicas de “fetiche inoculado”, cada vez mais estarão distantes de si mesmas, do que poderiam vir a ser. Na prática, ao se capturar os “sonhos” do ser, nega-se toda e qualquer possibilidade real de afirmação; sem o ser, obviamente, não há o vir-a-ser.

1 https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/06/14/anuncio-em-sonhos.htm.
2 https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/06/14/como-o-uso-da-ia-para-selecionar-curriculospode-ampliar-a-desigualdade.htm. “propaganda subliminar”, parece que chegamos ao ápice do Fake News – em que a vida

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